Colatina, a Princesa do Roc

– Vamos pro Rock. Aqui é assim. Tudo que cheira à festa, curtição ou balada vira rock’n’roll, logo que o colatinense bota o pé na rua para cair na noite.

Não é para menos. A gíria ‘ir pros rock’ só existe no ES. É típica dos capixabas, mas deve ter nascido em Colatina, noroeste do Estado.

A passagem astronômica de astros do rock nacional e ídolos do Iê, Iê, Iê, bares e boates consolidaram por essas bandas, a batida acelerada que arrepiou o mundo. Afinal a cena roqueira fincou raízes na cidade já no amanhecer dos Anos 1960, com criação dos Jet Boys, a primeira banda de roquenrrol do Espírito Santo.

A dificuldade de conseguir instrumento era enorme, tanto que a primeira guitarra dos Garotos à Jato foi feita a mão, copiada de revistas americanas. Eles tocaram com gente famosa, a ternurinha Wanderléia, Jerry Adriani, Silvinha, Wanderlei Cardoso e Martinha.

O município de 123 mil habitantes, partido ao meio pelo majestoso Rio Doce, conta com a Rádio Clube do Rock, 87,9 FM, e o LiverPub casa de shows para 250 pessoas inspirada nos Beatles. O tremendão Erasmo Carlos fez um show no Campestre Clube. Devido ao grau, quase não consegue acertar o repertório.

O supergrupo Casa das Máquinas desembarcou do fabuloso ônibus colorido em meados de 1970. O furor da apresentação ainda é lembrado por gerações de roqueiros. Sobretudo da Turma da Avenida e o batelão de chá de cogumelos as margens do Rio Doce.

Já Raul Seixas chegou de supetão em pleno sol abrasador do verão de 1978. O então nascente astro do rock nacional veio contratado pelo (rufar dos tambores):  Zé Roque de Almeida (Deus o tenha). O Maluco Beleza confundiu os colatinenses ao descer do Maverick marrom lotado de músicos, vestido de blusão, calças e botinas de couro, boina, óculos escuros debaixo de 40º à sombra

– Alguém sabe aí aonde eu vou tocar? “Ali no ginásio’, apontou o então professor Lézio Sathler defronte ao Colégio Marista. Raul apresentou o lendário show Novo Aeón. Raulzito tocou duas vezes aqui, nos ginásios da Ademc e ACD em 1982. Toca Raul.

O Som da Barrica comandado por Itálo Bisorão Zago fez a festa da galera nas domingueiras do Iate Clube. A Era do Vinil rolava solto com as feras do rock: Led Zeppelin, Pink Floyd, Suzy Quatro, Slade , Deep Purple, Dire Straits,  Beatles, Bachman Turner, Uriah Heep e Yes.

Atualmente em ruínas diante da ganância de sócios interessados em vender o terreno do clube, a pendenga do Iate é alvo de disputa judicial no STF. “Pela sua importância cultural e histórica, o Iate Clube pertence aos colatinenses’, dispara o advogado e fã de rock Martiniano Lintz Júnior, o Guandu.

Barzinhos badalados com o Gatão Lanches, enchia Rua Cassiano Castelo de gente bonita nos finais de semana nos 40 anos de atividade. O Bolichope mandava ver no som na pista de boliche e cerveja gelada.

Criado em 2008, o LiverPub casa inspirada nos Beatles incorpora a alma do roquenrrol colatinense. Tanto que é considerada o Templo do Rock regional. Lá dentro a cultura pop está por todo canto.

Do cartaz underground de propaganda do Festival de Woodstock, a lambreta ornada na parede, retrata o cenário fiel a origem do velho e bom rock and roll nascido nos anos de 1950 como música da classe operária americana.

“Temos mil objetos decorativos nas paredes. Nunca sumiu nenhum”, disse Moacyr Dalla Júnior, o Moá, sócio proprietário da  LiverPub, shows e cervejaria. Na galeria de passagem de astros do Restaurante Drink, a maioria marcou presença nas mesas debruçadas sobre o Rio Doce. Ficaram registadas todo reinado da jovem guarda, a exceção do Rei Roberto. Sabe-se que Roberto Carlos nunca foi convidado a vir em Colatina. Seria fruto da rivalidade secular Colatina versus Cachoeiro?

Pode até não ser rock, mas o ouvido absoluto do sanfoneiro Zé do Brejo vulgo Wilson Benevenuto de Assis (in memorian) tocava de The Beatles e Pink Floyd sem esforço algum.

A gênese do rock colatinense ativada pelos memoráveis Jet Boys e os Mugs, deslanchou no uso recente da internet para atingir o grande público. A Mickey Gang, banda de guris na faixa dos 17 anos, saiu de Colatina e foi cantar em Londres, em 2009 com direito a reportagem de página cheia do The Guardian.

We Are Pirates lançou sings de sucesso na web e quase uma centena de bandas de garagem daqui e cidades vizinhas passaram pela Confraria do Rock. A confraria andou parada em decorrência da pandemia do coronavírus que nos isolou em casa de 2019 a 2021. Katmandu revolucionou o mercado da diversão e arte

Em São Silvano, maior e mais populoso bairro de Colatina com 45 mil moradores floresceu nos polvorosos Anos 1970 a Boate Katmandu.

Michel Zouain recém chegado dos EUA aos vinte e poucos anos abriu a casa na cara e coragem. Bebê Schawb era o gerente e Luiz Beneti o discotecário. Imagine.
Katmandu durou seis meses e meio século de história.

Dois colatinenses estiveram no Woodstock Music & Art Fair.
Pena que nossos conterrâneos não conseguiram entrar. Michel Zouain e Jamil Carone (Irmão do Gatás do extinto Gatão Bar) aos vinte e poucos viviam em Nova Iorque.

“Saímos cedo de carro rumo a Bethel. A 10 km da área encontramos a estrada bloqueada. Era tanto carro e gente que sumia de vista. Andamos uns 5 km a pé atrás de uns caras vindos da Guerra do Vietnan. Dali pra frente não se passava mais”, recordou Zouain, a façanha de pisar no campo onde ocorreu o maior festival da história. Cerca de 600 mil espectadores estiveram na área rural entre os dias 15 e 18 agosto de 1969. “Passamos o dia ali. A noite viemos embora”, contou Michel.

Antônio Alaerte, dizia “Nasci em Colatina e fiquei rapaz eternamente’ foi um dos arquitetos do polêmico Festival de Guarapari (ES). Reinava o ano de 1971. Então secretário de Turismo de Vitória Alaerte e o jornalista Rubinho Gomes tramaram o primeiro festival de música da América Latina.

Duzentos jornalistas de todo Brasil vieram cobrir a versão tupiniquim do Woodstock nas Três Praias. Alaerte faleceu aos 58 anos em 2008.

O jornalista colatinense Paulo César Dutra, o Cesinha esteve lá. Acampado com amigos, viu a ‘dura’ que a galera colatinense deu no Milton Nascimento e outros músicos que iam embora assim que o cachê mascou. “Vocês já estão aqui. Toca porra”, disse Chico Rossi. “Falei olhando dentro dos olhos deles. Milton sacou na hora”, disse. Pegos no se apresentaram até o vôo de Tony Tornado sobre o público, atingindo uma mulher.

Acredite. O solo colatinense também vivenciou seu momento undigrundi. – nesquecível, exclamou o produtor cultural Serginho Meneghelli, que armou oito edições do FestRock Sol Ponte entre 1998 e 2002.

“A primeira em protesto a construção do fórum na Praça do Sol Ponte – área verde de 90 mil m² no coração da cidade. Quatro festrock’s foram no interior, um em Baunilha e três na Fazenda Américo Rossi, em Boapaba.

Cerca de 2 mil pessoas passaram nos três dias da festa em Boapaba. “Veio um vagão de trem lotado de roqueiros. Ônibus especial da: São Roque. Foram 36 bandas do ES, MG, SP e RJ.

Mais de 300 canções”, recordou Serginho. O festival ficou marcado como Woodstock das Margens das Margens do Rio Doce.

Bem que parecia coisa do tipo mundo perdido. A Cidade do Rock não poderia consolidar-se sem o improvisado festival ao ar livre na Fazenda Frechiani, no distrito de Reta Grande. André Fechiani e Marco Federal prenderam caixas de som em árvores no meio da mata em 1978. Ficaram ali um fim de semana regado a som, paz, amor, finório e birita.

 Com apenas 12 anos, o guitarrista de rock Bruno Dalla – sócio do Liverpub -, criou os Garatos da Cidade que estorou na praça de 1988 a 1996.

O som psicodélico da Gabriel Terra não poderia ficar de fora. A filha do violeiro Dimas Deptulski virou roqueira. Garante apresentação de sucesso em São Paulo, Rio e Vitória.

Na listagem de artistas, bandas nacionais, regionais e ídolos do Iê Iê Iê constam alguns nomes: Titãs, Paralamas do Sucesso, Miquinhos Amestrados, Rádio Taxi, Biquini Cavadão, RPM, Blitz, Celso Blues Boys, Emerson Nogueira, Léo Jaime, Kid Vinil, espetáculos que coroaram Colatina, a Princesa do Rock. Análise

Colatina é Rock’n Roll. A Terrinha teve e têm um grande número de amantes de Rock, à começar pelo Moá e o Pegê Júnior.

Sou da época da transição do samba-canção, do bolero para o Twist. Em seguida da evolução do maior movimento musical da história: o rock. Colatina não deixou essa onda passar despercebida.

Principalmente pelo surgimento dos The Beatles e The Rolling Stones

Para mim, o rock foi uma separação de águas, entre a geração dos nossos pais na emancipação cultural, ética e moral. Nunca esquecendo que todo progresso não traz só coisas boas mas também ruins.

Ao meu ver os jovens se perderam um pouco nessa liberdade conquistada. Mas o saldo foi mais positivo que negativo, me refiro principalmente as drogas.

Três símbolos dessa mudança brusca, foram: os homens com cabelos longos, calça jeans para as mulheres e o pavio que detonou tudo foi o velho e bom rock’n’roll.

O rock and roll passou a ser uma atitude, um comportamento, uma maneira de viver. Não é somente um estilo músical. A juventude colatinense aderiu a esse movimento de uma maneira bastante responsável e jovial. Queríamos apenas sair do mesmismo. Alguns vanguardistas colatinenses se destacaram com um comportamento mais incisivos foram: Alaerte, Benetti, Ivan Felisberto e Michel Gabriel Zouain, que aliás quando ele me chamou com a gíria «bicho « tipo « cara », fiquei muito invocado. Eu era mais careta. Depois, só alegria. Fundamos a banda The Jet Boys. A formação era Romiques de Oliveira, o Mike (Paz em sua alma), Alonso Alves, Luizinho Barbosa, Zezinho, Alberto Guimarães Peixoto – Pato Rouco e eu mesmo Gilson Martins.

Sem esquecer os nosso maiores coadjuvantes Cezar Perutti, João Sérgio, Serginho e Paulinho Baixote da Casa Esmar. Lembro-me perfeitamente da noite que o Benetti e Michel chegaram no Clube Recreativo Colatinense. Antes de começar a tocar do lado do palco, (parece que estou vendo a cena). – Bicho você precisa fumar um baseado pra sua música ficar mais extrovertida, Eu sorri de uma maneira amarela, e assim percebi que eles tinham alguns quilômetros de vanguardismo na minha frente. Todos éramos muito amigos. Dito isso…Acredito sim, que Colatina, possa ser vestida e coroada como a Princesa do Rock. Sou colatinense, universal, caipira, samba, caribe e rock’n’roll. Gilson Martins – Guitarrista e compositor colatinense.

Por: – Nilo Tardin e Laili Campostrini Tardin