Moradores do Caparaó encontram possível esconderijo de armas de guerrilha contra ditadura militar

Um buraco descoberto na serra do Caparaó por moradores de São João do Príncipe, em Iúna, na região do Caparaó do Espírito Santo, pode ter armas usadas por guerrilheiros na luta contra a ditadura militar, há mais de 50 anos, e está mobilizando uma cidade inteira na divisa do Espírito Santo com Minas Gerais.

A curiosidade pelo grupo de aproximadamente 17 homens, que se instalou nas montanhas do Caparaó entre os anos 1966 e 1967, nasceu quando o produtor rural Weder Bernardo ainda era uma criança e a história foi contada para ele.

“Então a gente tem esse entusiasmo de saber mais sobre essa história que fala muito de armamento escondido, de muitas coisas, até de relíquias mesmo”, contou Weder.

A história do grupo da Guerrilha do Caparaó, considerada a primeira guerrilha contra a ditadura militar, aconteceu entre 1966 e 1967. Aproximadamente 17 homens, dissidentes do Exército e da Marinha queriam estabelecer um foco de luta armada contra o regime na divisa do Espírito Santo com Minas Gerais. Lá, eles fizeram cerca de seis esconderijos onde guardavam remédios, alimentos, até armas.

A única pista que os moradores tinham sobre o local onde os guerrilheiros se escondiam na mata, que fica a 1.200 metros, era uma casa. O imóvel foi destruído e apenas escombros ficaram no terreno. E foi por eles que os descobridores se guiaram e onde decidiram cavar. Nas primeiras enxadadas perceberam que a terra do local era diferente.

“A gente foi acompanhando a parede até chegar o fundo dela. E sabia que estava no fundo, porque achamos a manta térmica que cobria”, contou o morador Emílio.

História

O jornalista José Caldas pesquisou a Guerrilha do Caparaó por 10 anos e escreveu um livro. Segundo as pesquisas deles, o local onde o buraco foi encontrado era conhecido como Sítio das Cabras, porque os guerrilheiros se instalaram no local dizendo que criariam cabras.

Os guerrilheiros eram militares dissidentes do Exército e Marinha contrários a ditadura. Eles se instalaram na região por cerca de nove meses e pretendiam integrar a luta armada.

A Guerrilha do Caparaó terminou com a prisão deles, em 1967, quando cerca de 2 mil homens de tropas do exército se deslocaram até o local.

“Eles foram presos sem que tivesse confronto. Ainda estavam na fase preparatória, para dominar o território, que é o que dizem os manuais de guerrilha. A serra é inóspita, ao final desses meses eles já estavam doentes”, contou Caldas.

Apesar do confronto com os guerrilheiros não ter acontecido, o morador João Elias tinha 12 anos na época e lembra das prisões.

“A gente ficou assustado, porque a nunca tinha visto aquele montoeiro de gente e aquele movimento doido”, relembrou.

Armas

No documentário “Caparaó” dirigido por Flávio Frederico, de 2006, o grupo relembrou como foi a ação. Eles contaram levaram as armas de ônibus, trem e até kombi.

“Vinha arma, uniforme, vinha o diabo. Duas toneladas e meia de mantimentos foram transportadas assim. Inclusive 30 quilos de dinamite”, contou um ex-guerrilheiro no documentário.

Para esconder armas, mantimentos e remédios, eles faziam tocas no terreno. Segundo relato, o primeiro depósito subterrâneo foi feito um buraco que dava para entrar dentro com uma sala, onde era possível ficar sentado.

De acordo com os ex-guerrilheiros, ao menos seis tocas foram cavadas na serra do Caparaó e as armas enterradas podem estar conservadas.

“Nós devemos ter no depósito ainda uns 3 ou 4 mosquetões. Fuzil, metralhadora… Nós colocávamos a arma com muita graxa, então é por isso que eu tenho certeza que se elas não foram achadas estão em boas condições”, revela um dos guerrilheiros no documentário.

Durante a gravação do documentário, um grupo até tentou reencontrar esses esconderijos, mas não conseguiu. A trilha que conheciam fechou e o mato fechou.

Segundo o escritor do livro sobre a guerrilha, as armas do grupo foram coletadas de vários locais. Existia ainda uma tentativa, que não foi concretizada, de trazer armas da China.

“Esse armamento saiu de vários lugares. Em 1964, quando teve uma tentativa de evitar o golpe, no Rio de Janeiro, muitas armas ficaram na rua e um enfermeiro da Marinha recolheu elas, outras foram recolhidas no Uruguai, no Rio Grande do Sul. Existiu ainda uma operação de armas que viriam da China, eles iam raspar a numeração, levariam elas até a Argélia e trariam para a costa brasileira de barco”, contou Caldas.

Buraco da Guerrilha

Desde que foi descoberto, o buraco tem gerado controvérsias entre os guerrilheiros. Para o escritor, esteve na toca, se trata de um esconderijo da guerrilha.

Diante das informações que eu recolhi com os participantes da guerrilha, eu não tenho dúvida de que essa é a primeira toca. A ideia deles é fazer essas tocas e dentro dessas tocas guardarem alimentos, remédios e armamentos. Eles pretendiam fazer ações efetivamente, ações militares”, contou o escritor.

Para Arakem, que é dos ex-guerrilheiros do Caparaó, e está com 83 anos, não tem como ter certeza se é mesmo uma toca do movimento depois de tanto tempo, mas acredita que sim.

“Eu acredito que sim, principalmente porque, que outro motivo teria para ter esse material aí? Era assim mesmo que a gente fazia, por problema de segurança, entende? Porque quanto menor a área cavada menor o risco de desmoronar. Então faziam um maior que desse para a pessoa entrar e depois um outro que desse para guardar”, contou.

Dentro do buraco, os agricultores encontraram uma manta térmica, um envelope de remédio, pedaços de metal e um frasco com um líquido. “O frasco eu acredito que seja um antioxidante para armas”, revelou Arakem.

Já o Daltro, de 80 anos, atualmente mora do Rio de Janeiro. Ele conta que foi ele quem fez as todas e acredita que essa encontrada não era uma delas.

“Fui eu que fiz a primeira toca. Não, eu acho que não, mas para conferir isso, eu tinha que ir lá e, por isso, eu quero ir. Eu acho que não é porque não tinha na periferia da casa”, revelou.

Preservação

O buraco na montanha, que aparentemente guarda segredos de mais de 50 anos, está despertando a curiosidade da população e o local, no meio da mata, tem recebido cerca de 50 visitantes por dia.

Enquanto não se esclarece o mistério, os agricultores de São João do Príncipe interromperam a escavação e ficam de plantão para evitar que outras pessoas mexam no buraco. “É uma honra para a gente ser o descobridor dessa relíquia, né?”, orgulha-se Amós.

Os agricultores avisaram o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan), dos objetos encontrados. As escavações foram interrompidas para esperar os técnicos do instituto que devem ir ao local na próxima semana.

Costa afirma que está realizando o sonho de infância que era conhecer a história dos 17 homens. Para ele, a descoberta é importante.“É como uma metáfora da vida: não adianta soterrar a história porque, algum dia, alguém vai cavar e achar. A riqueza maior que está aqui é cultural e histórica. Não importa se estava certo ou errado. Houve um movimento. Esse movimento hoje é reconhecido como a primeira guerrilha contra a ditadura implantada no Brasil”, declarou o escritor.

Informações: G1/ES