Val Bernardino, de Barra de São Francisco para o mundo das letras

Como uma agricultora, morando na roça, descobriu a poesia aos 46 anos e, em um ano, publicou dois livros, ganhou prêmio nacional, virou duquesa e acadêmica

José Caldas da Costa, jornalista

Val Bernardino escreveu 200 poemas em meio a uma crise existencial e virou celebridade: até título de nobreza ganhou

É inevitável a comparação com a história de Cora Coralina, a poetisa goiana publicada pela primeira vez aos 76 anos, mas que se tornou referência da poesia brasileira. A diferença é que Cora escrevia desde a adolescência e guardava tudo. No caso de Val Bernardino, ela descobriu o mundo da literatura em 2018, aos 46 anos, e em um ano sua vida deu uma guinada.

Nascida Valdineia Bernardino em 23 de setembro de 1971, filha dos agricultores Jesonias Bernardino e Guilhermina Kaizer, jamais deixou o Córrego do Itá, onde ainda mora, no interior de Barra de São Francisco, na região Noroeste do Estado. Mas as redes sociais descortinaram-lhe o mundo da cultura literária, depois de um episódio que não sabe explicar direito como pode ter acontecido.

“Eu nunca gostei de escrever. Um dia, nos altos e baixos da vida, havia sofrido uma grande decepção pessoal e estava entre me revoltar e ficar amarga e me lapidar e me tornar um ser dócil. A escolha seria uma decisão minha. Ouvi, como se uma voz me dissesse: compra uma caneta e um caderno. É incrível, mas eu sequer tinha caneta em casa. Obedeci. Cheguei em casa e comecei a desabafar com o caderno. Quando vi, tinha 200 poemas escritos”, conta Val, que se define como “empresária rural”.

Divorciada, ela tem três filhos: o mais velho, Aysllan, 27 anos, e o mais novo, Stênio Marlon, 23, trabalham em indústrias de rochas ornamentais, e o do meio, Stanley Mike, 25 anos, joga futebol amador em times regionais, depois de passar pela Desportiva Ferroviária e pelo Sub-20 do São Paulo (SP).

TÍTULO DE NOBREZA

Val é condecorada como título de duquesa pelo Príncipe herdeiro do reino dos godos, que inclui a Suécia

Se Cora Coralina é a rinha das poetisas brasileiras, Val Bernardino já está na família real do Reino dos Godos, que abrange hoje a Suécia, depois de receber do príncipe Dom Alexandre da Silva Camêlo Rurikovick Carvalho o título honorário de duquesa, em solenidade realizada no dia 14 de março deste ano, quando foi empossada como membro correspondente da Academia Teixeirense de Letras (Teixeira de Freitas – BA) e recebeu o prêmio Destaque Poético 2018 concedido pela Editora Mágico de Oz.

Um de seus poemas de versos livres, do primeiro livro, “Amores e Sofrência”, está para ser musicado pelo artista regional mineiro Zé Alves, que fez contato com a poetisa pelas redes sociais. Aliás, as redes sociais abriram-lhe as portas do mundo. Foi assim que o cantor mineiro teve contato com “Violeiro Triste”:

“Moça, eu não sei ficar sem o seu amor/Sou violeiro encantador/ Fui conquistado, agora acabou/Só me resta chorar com uma viola/Sentindo a dor do amor que se foi/Sem se importar com minha dor//Moça maldita, me deixou aflito/Quando dei por mim/Estava chorando nos braços da viola/Me embriaguei na cachaça/Por um amor que foi embora// Coração amargurado, Doi o peito, corroi a alma/Me tirou o chão/Mulher malvada/Pegou as malas, fechou a porta/Com um sorriso sem graça/Me disse adeus”.

E foi também pelas redes sociais que ela conheceu seu primeiro contato nesse novo universo: o jornalista Bruno Silva, Mucuri (BA), o que a levou a Almir Zarseg, presidente da Academia Teixeirense de Letras. “Comecei a escrever do nada, sem saber, e tenho muito a aprender. Mas nada é por acaso. Existe um porquê e não sei ainda porque Deus fez isso comigo. Ainda estou meio tonta com tudo que vem acontecendo”, confessa Val.

OUSADIA

Fã do cantor romântico linharense Elias Wagner, a poetisa Val Bernardino foi a um show dele no interior de Barra de São Francisco e teve a ousadia de procura-lo. “Depois de conversarmos e ao me ouvir falar das músicas dele, o Elias me falou que eu tinha algo que eu mesma ainda não tinha descoberto; que eu tenho dom para fazer poemas de raiz. Voltei para casa com a cabeça quente e pensando: vou escrever um livro. E tudo aconteceu”.

Pelas redes sociais, Val descobriu que Bruno, jornalista, estava entre os amigos de Elias Wagner. Com ousadia, mandou para Bruno um de seus poemas com o título “Sedução”. Bruno mandou para o escritor baiano Atilla Borborena, com mais de 30 livros publicados. Atilla mostrou para Almir Zarseg, que a convidou para ir a Teixeira de Freitas encontrá-lo.

“Mostrei o que tinha, o caderno de poemas, e o Almir resolveu editar o livro, que publicamos pela editora PerSe (uma plataforma da web para publicação por autores independentes). Mandei imprimir 50 exemplares para mim e os livros ficam lá no site deles, para qualquer um comprar”, explicou.

Quando surgiu o edital da coletânea Declame para Drummond, Val Bernardino se inscreveu com “Carpie Diem” e foi selecionada, indo parar em Buenos Aires, na Argentina, para falar a respeito.

Surgindo o convite para ser acadêmica, Val precisou produzir mais um livro. “Sentei e em 40 dias escrevi meu livro de crônicas com 130 páginas. Ficou lindo”, disse. O livro é “O homem do suspensório preto”, título de uma de suas crônicas, feita em homenagem ao pai, já falecido.

“Deus está me preparando para algo maior. Não sei o que é. Vivo com simplicidade, mas Deus faz o simples nadar em mares e falar em lugar onde a palavra dele ainda não foi. A ficha ainda não caiu. A coisa está acontecendo muito rápido. Sou uma pessoa de fé e acredito que Deus possa usar um caminho para te levar a outro. Acredito que Deus está usando a literatura para levar meu nome e ser usado para outros propósitos”, arremata a poetisa francisquense.

Mas ela também, agora que descobriu esse mundo novo, tem seus planos: “Meus planos são apresentar meu trabalho, lançar o livro de crônica em Vitória, capital de meu Estado. Fiquei empolgada com o povo de Teixeira, que ama literatura, e quero fazer isso em minha terra, Barra de São Francisco. Quero mostrar às pessoas meu trabalho e dizer a elas para continuarem sonhando. Não importa a sabedoria ou simplicidade, tudo é emoção. Às vezes, alguém que escreve grandiosamente e não toca o coração do leitor. Eu quero tocar o coração de meu irmão e mostrar aos outros a minha cidade”.