Em caso de criança grávida após estupro no ES, justiça diz que “todas as hipóteses constitucionais e legais serão consideradas”

Fórum de São Mateus

Diante da repercussão sobre a possibilidade ou não da prática de aborto no caso da criança de 10 anos que engravidou após ser estuprada, no Espírito Santo, o Tribunal de Justiça Estadual (TJES), por meio do Juízo da Infância e da Juventude da Comarca de São Mateus, disse nesta sexta-feira (14) que “todas as hipóteses constitucionais e legais para o melhor interesse da criança serão consideradas”.

Na nota publicada nas redes sociais do órgão, o TJES disse que “se pauta estritamente no rigoroso e técnico cumprimento da legislação vigente, sem influências religiosas, filosóficas, morais, ou de qualquer outro tipo que não a aplicação das normas pertinentes ao caso”.

A informação de que o caso estava sendo analisado pela Justiça foi dita pela secretária de Assistência Social de São Mateus, Marinalva Boedel, durante uma entrevista, na quarta-feira (12).

A informação repercutiu principalmente, entre coletivos e entidades da sociedade, já que, pelo Código Penal Brasileiro, de 1940, o procedimento é permitido em três casos:

  • Gravidez decorrente de um estupro
  • Risco à vida da gestante
  • Anencefalia do feto

Nos casos de gravidez decorrente de estupro, o procedimento pode ser feito até a 22ª semana de gravidez ou feto pesando até 500 gramas.

Procurado, o TJES não esclareceu o que, exatamente, está sendo analisado antes que a criança seja submetida ao aborto.

A defensora pública Ana Rita Prata, que atua em São Paulo, acrescentou que o aborto de gestação decorrente de violência sexual é regulamentado por uma Norma Técnica do Ministério da Saúde e não exige a apresentação de Boletim de Ocorrência e nem e autorização judicial.

“Nesses casos, o procedimento é a pessoa procurar o sistema de saúde ou hospital especializado, ser atendida por equipe técnica, passar por um médico, para que veja idade gestacional, e depois é realizado o aborto”, disse.

Segundo ela, a autorização judicial para realização de aborto em caso de violência sexual é “um procedimento em descompasso com a normativa brasileira”. A intervenção da Justiça nesses casos só deve acontecer caso a vítima, que é menor de idade, não tenha um representante legal, por exemplo.

“Se a possibilidade do aborto está sob análise, isso não é o que descreve a legislação e está equivocado. Mas, se essa criança violentada não tem uma pessoa que seja responsável legal por ela, aí precisaria de um suprimento de autorização judicial”, disse.

De acordo com a secretária de Assistência Social de São Mateus, a família da criança era atendida por uma das unidades do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da prefeitura, era participativa e nunca deu indícios de “desestruturação”.

Coletivos se manifestam

Uma nota pública divulgada na tarde desta sexta-feira (14) pela Frente pela Legalização do Aborto do Espírito Santo (FLAES) e assinada por vários outros grupos defende a prática do aborto nesse caso.

“Essa gestação é fruto de uma violência sexual gravíssima. A saúde da menina foi violada, tanto emocional, social e fisicamente. Será, uma violação ainda maior, se a interrupção dessa gestação não acontecer”, diz o documento.

TJES

De acordo com o TJES, a criança encontra-se devidamente assistida, recebendo todo o acompanhamento médico, psicológico e social que a ocasião demanda. Ela está em uma abrigo da prefeitura.

O Tribunal de Justiça estadual disse ainda que o processo tem recebido imediato andamento e pronta atuação pelo Ministério Público.

“Informações que não correspondem com a realidade têm influenciado a opinião de toda a sociedade, mas, pelo compromisso que este Juízo tem com o sigilo que resguarda o melhor interesse da criança, inclusive imposto legalmente, não serão revelados, em que pese eventual julgamento negativo e equivocado contra o Poder Judiciário. Neste momento, o direito à privacidade da criança e de sua família revela-se absoluto. Este é o compromisso do Poder Judiciário.”, diz a nota do TJES.

Crime

O estupro chegou ao conhecimento da polícia no sábado (8), após a criança dar entrada no Hospital Roberto Silvares, em São Mateus, com sintomas de gravidez.

A menina contou que era abusada desde os seis anos de idade por um tio e que não denunciou o crime porque era ameaçada por ele.

A gravidez, de cerca de três meses, foi confirmada por um exame de sangue.

Suspeito foragido

O inquérito que investigava o caso foi concluído nesta quinta-feira (13). O suspeito já foi indiciado pelos crimes de ameaça e estupro de vulnerável ambos praticados de forma continuada, mas ainda não foi encontrado. Um mandado de prisão preventiva contra ele foi expedido e o homem é considerado foragido.

Criança procurou atendimento no Hospital Roberto Silvares, em São Mateus

Família

A secretária de Assistência Social de São Mateus contou que a família da criança era atendida por uma das unidades do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da Prefeitura de São Mateus.

Os familiares, segundo ela, eram participativos nas atividades e não davam indícios de “desestruturação”

“Essa criança vivia em família extensa com os avós. Nossa equipe fazia o acompanhamento dessa família no CRAS, é uma família que participativa e era ativa nas atividades. A criança e a família nunca apresentaram algum indício desses abusos ou violações. Nossa equipe técnica ficou muito surpresa com o caso.”

A secretária afirmou ainda que a criança já foi integrada na rotina do abrigo e já está em contato com as outras crianças que vivem no local.

MPES

O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Mateus, informou que “acompanha e atua desde o início no caso em tela visando a proteção, saúde e resguardo dos direitos da vítima sem se submeter a influências externas de qualquer natureza”.

O órgão também Informou que todas as medidas para preservar e proteger a intimidade da criança devem ser tomadas, sob pena de responsabilização.

E reforçou que, por força da legislação da infância e juventude, casos que envolvem incapazes, crianças e adolescentes devem ser mantidos em total sigilo, cuja violação constitui ilícito civil e criminal.

Defensoria Pública do ES

A Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES) disse que está acompanhando o caso e analisando o processo e a adoção das medidas administrativas e judiciais necessárias para garantia dos direitos da criança, sua proteção, autonomia, saúde e preservação de sua imagem e identidade.

O processo está em segredo de justiça e a Defensoria Pública disse que não divulgará informações sobre o caso, evitando assim, a ilegal exposição da criança e eventual revitimização.

Informações: G1