“Cabotagem é fundamental ao projeto do porto de São Mateus”, diz presidente da Petrocity

Combustíveis mais caros pela incidência de tributos federais e estaduais, enquanto para a navegação de longo curso há isenção de impostos, falta de fomento à multimodalidade e ausência de interligação dos sistemas de informação governamentais são os principais gargalos para a navegação de cabotagem, que poderia em muito contribuir para redução do custo Brasil e assim aumentar a competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional.

Estas são conclusões preliminares de um relatório de auditores do Tribunal de Contas da União (TCU), que tomou por base, principalmente, o transporte marítimo de contêineres, para subsidiar os trabalhos do ministro Bruno Dantas, relator do processo que avalia obstáculos ao desenvolvimento da cabotagem a fim de contribuir com a maior participação do modal na matriz brasileira de transportes.

O transporte de cabotagem, de porto a porto, é pouco utilizado na costa brasileira, com 7.400km de extensão

Os auditores apontaram para a inexistência de políticas públicas eficientes para o fomento à navegação de cabotagem, tema que será enfrentado no próximo ano pela Associação dos Executivos em Logística e Atividades Portuarias (ABELAP) junto ao novo governo, a partir de janeiro, segundo informações do administrador José Roberto Barbosa da Silva, presidente da Petrocity, que finaliza os projetos para iniciar a construção do complexo portuário de São Mateus, no Norte do Espírito Santo:

“A cabotagem é parte fundamental do projeto da Petrocity. A integração de navegação de grande curso com cabotagem e transporte ferroviário será a solução para os graves problemas de demanda reprimida de cargas e alto custo do preço de transporte de cargas. Estamos em uma frente voltada para o fortalecimento do transporte de cabotagem. Integrada ao transporte ferroviário, será a solução para a redução de custos no transporte e, por consequência, um maior ganho para o produtor e a redução no custo final de produtos ao consumidor ”.

DEPENDÊNCIA

Num País de dimensões continentais como o Brasil, sempre houve um questionamento muito grande sobre a dependência do modal rodoviário, resultado de uma opção política feita a partir dos anos 50, quando chegaram as primeiras indústrias de automóveis e, depois, reforçada no regime militar com, praticamente, a extinção da já precária malha ferroviária nacional.

A cabotagem foi muito utilizada no País entre o final do século XIX e a década de 30 do século passado, quando as malhas ferroviárias e rodoviárias eram precárias.

A greve dos caminhoneiros, que parou o Pais entre meados de maio e junho deste ano, acendeu o sinal de alerta para a necessidade de uma ação rápida visando à modernização do sistema de circulação de mercadorias. O debate sobre a intermodalidade, integrando rodovias e ferrovias para a interiorização de cargas, e o transporte marítimo nos 7.400km de costa, voltou com força total. A este transporte entre portos marítimos de um mesmo país, sem perder a costa de vista, dá-se o nome de cabotagem, que se contrapõe-se à navegação de longo curso, ou seja, aquela realizada entre portos de diferentes nações.

Barbosa da Silva salienta que o projeto da Petrocity em São Mateus prevê uma infraestrutura capaz de receber grandes embarcações intercontinentais e, por meio de uma grande plataforma, fazer o transbordo de cargas entre grande curso e cabotagem: “Estamos passando por um momento favorável à mudanças no setor. Temos que aproveitar e trabalhar a favor disso. De forma técnica, apresentar as justificativas necessárias às mudanças”.

Paralelamente, se concebe o projeto de uma nova ferrovia, a Estrada de Ferro Minas-Espírito Santo, com 560km, ligando Sete Lagoas, na região metropolitana de Belo Horizonte, ao novo porto de São Mateus, passando pelo leste de Minas e Noroeste do Espírito Santo, onde cortará os municípios de Barra de São Francisco, Nova Venécia e São Mateus. Tanto a construção do porto quanto a da ferrovia serão feitas totalmente com recursos privados.

RELATÓRIO

O relatório preliminar sobre a questão da cabotagem, elaborado pela Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Portuária e Ferroviária (Seinfra) do Tribunal de Contasx da União, conforme publicado pelo site Portos e Navios, destaca ainda que a atuação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) sobre a cabotagem de contêiner não fomenta a competição e não reprime o que chama de ‘falhas de mercado’. O material foi apresentado e debatido pelos agentes do setor em reunião na sede do tribunal, no último dia 12 de dezembro, em Brasília.

A distribuição do transporte de cargas do Brasil: dependência do modal rodoviário

O relatório identificou que as estratégias previstas na Política Nacional de Transportes – PNT (2018) e a atuação do Ministério dos Transporte, Portos e Aviação Civil (MTPA) não solucionam a falta de isonomia entre os preços do combustível da navegação de cabotagem e do longo curso. Segundo o documento, a atuação dos órgãos e entes públicos não promove o fomento da multimodalidade.

O trabalho foi feito a partir da atuação do MTPA, da Antaq e da Receita Federal. Em caráter preliminar, os auditores observam que a baixa participação da navegação de cabotagem na matriz de transporte contribui para elevação do custo logístico no Brasil. Portos e Navios apurou que, no espaço destinado pelo TCU para exposições, representantes dos armadores e da agência reguladora defenderam a manutenção do marco regulatório do setor (Lei 9432/1997) como forma de dar segurança jurídica ao segmento. Durante a reunião, também houve entidades setoriais que criticaram o que classificam como ‘concentração de mercado’ e sugeriram mais liberdade para as empresas de navegação buscarem navios em outros mercados.

Escopo da auditoria ficou focado no contêiner, que tem características diferentes de outras cargas transportadas por cabotagem, como granéis sólidos e líquidos. O trabalho, porém, não aprofundou questões relacionadas a custos operacionais, como tripulação, praticagem e tributos.

De acordo com o relatório, as ações e estratégias da PNT relacionadas à redução de custos operacionais de armadores de cabotagem não são claras quanto a quais custos serão atacados pelo governo. O documento também aponta que a PNT não aborda como equalizar o tratamento do combustível entre o longo curso e a cabotagem.

“Nos preços do combustível bunker vendido pela Petrobras às embarcações de cabotagem há incidência de tributos federais e estaduais, enquanto que para armadores de longo curso não há. Não há outras ações do MTPA visando a isonomia dos preços”, diz um dos apontamentos, conforme a Portos e Navios.

A linha de trabalho da auditoria foi estabelecida nas reuniões iniciais com os agentes do setor, há cerca de dois meses. A reunião do dia 12 contou com representantes do MTPA, da Antaq, da secretaria especial do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) e associações setoriais que representam armadores, importadores, exportadores e demais usuários de portos.

A previsão é que as críticas sejam revertidas pelo MTPA, Antaq e Receita Federal e cheguem ao relator do processo no TCU, ministro Bruno Dantas, em fevereiro, seguindo posteriormente para o Plenário da Corte de Contas. Procurada pela reportagem, a Antaq não comentou o relatório e a reunião no TCU.

(Série de reportagens produzida pelo jornalista José Caldas da Costa sobre os impactos dos projetos da nova ferrovia EFMES e do porto da Petrocity, em São Mateus)