Tradição e Sabor: A torta capixaba completa 400 anos de história

Um dos pratos mais nobres da culinária capixaba atravessou quatro séculos de história sem perder o vigor, a tradição e o sabor bem característico que o faz uma iguaria única. A Torta Capixaba leva a identidade do Estado no nome e faz sucesso em restaurantes de todo o país.

Difícil encontrar um capixaba que não tenha histórias ou mesmo lembranças intimamente ligada à Torta Capixaba. O prato é tradição na Páscoa e tem o poder de reunir a família para celebrar o amor, a união e o respeito ao sagrado. Já que ela é bastante consumida no período da quaresma e, principalmente, na Semana Santa.

Relatos históricos mostram que a torta, antigamente, era servida às oito horas da noite de Sexta-feira Santa. Nos dias atuais não há horário para apreciar essa delícia, o prato é servido no almoço, no jantar, e há quem a guarde na geladeira para comer no dia seguinte.

A Torta Capixaba é um prato que, ao longo do tempo, sofreu algumas mudanças e adaptações. Desde a chegada dos navegadores portugueses na costa capixaba, a culinária local acabou incorporando outros ingredientes com as variedades de mariscos aqui já encontradas e utilizadas pelos índios.

Na preparação da Torta Capixaba são usados diversos frutos do mar, como siri desfiado, camarão, ostra e sururu, além de bacalhau e palmito.

Mas qual a origem desse prato que já virou tradição?

Segundo o jornalista e historiador José Carlos Monjardim Cavalcanti, o Cacau Monjardim, desde 1535, por obra e graça geográfica e logística, os capixabas acabaram se transformando em eternos apaixonados por frutos do mar, “a Torta Capixaba é fruto da influência indígena e da larga fertilidade do nosso litoral, que permitia ter acesso fácil a peixes e a mariscos e se aliava as condições do próprio negócio agrícola onde eram importantes o palmito, o urucum, a cebola, o coentro e todas as demais coisas. O urucum, inclusive, é a base do tempero da torta”.

“A origem da Torta está na cultura indígena Tupi Guarani Iúna, uma tradição que passou de mãe para filho”, afirma o historiador.

Os registros mostram que somente por volta do século XIX que a torta como conhecemos começa a tomar forma. Os portugueses já tinham o hábito de comer frutos do mar e com a forte influência que a igreja católica possuía sobre o povo lusitano, o hábito de não comer carne na Semana Santa era seguido à risca. Foi nessa época que os portugueses tiveram a ideia de acrescentar na panela de barro o marisco e o bacalhau na mistura feita pelos índios.

“É um prato completamente capixaba, porque, além de conter os ingredientes nativos, a torta deve ser preparada na famosa panela de barro de Goiabeiras, na capital do Estado”, diz o historiador.

Ainda de acordo com o historiador, a Torta Capixaba é um prato tão presente na história do Estado que até Pero Vaz de Caminha comentou nas cartas sobre o hábito dos índios de comerem uma mistura de frutos do mar com palmito.

Cacau é um dos grandes defensores da culinária e cultura capixaba. É dele a icônica frase: “Moqueca, só capixaba. O resto é peixada”, em referência ao prato similar preparado na Bahia.

A Torta e a tradição religiosa

Na quaresma, por tradição religiosa, muita gente não come carne. É daí que vem o costume de preparar a Torta Capixaba. Mas, apesar de ser consumida em maior quantidade no período, o prato pode ser preparado durante todo o ano, já que os ingredientes são facilmente encontrados na costa capixaba.

Cacau conta que viveu uma época, em décadas passadas, em que na Semana Santa, capixabas espalhados por outros estados do Brasil tentavam não perder a tradição de saborear o tradicional prato no dia santo. “No aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro, por exemplo, era comum encontrar famílias capixabas esperando a torta que ia de Vitória levadas pelos aviões da extinta companhia aérea Cruzeiro do Sul”.

Bacalhau, pode?

A receita tradicional, descrita pela veneranda senhora Dona Otília Goulart Grijó, cujas saborosas tortas têm fama em Vitória e já somam mais de 80 anos, não leva bacalhau. “Essa é uma questão polêmica, mas o fato que a tradição não admite a adição de bacalhau na receita. Mas essa é uma questão de gosto, atualmente. O bacalhau não estraga o prato”, afirma o historiador.

Palmito é ingrediente que movimenta a Grande Vitória

Além dos mariscos e temperos diversos que compõem o prato, outro ingrediente fundamental na torta é o palmito. O alimento que possui sabor peculiar, levemente ácido, movimenta a Grande Vitória nos dias que antecedem à Páscoa.

A compra do palmito fresco, in natura, também faz parte da tradição entre as famílias capixabas. Ir aos pontos de venda faz parte do “ritual” do fazer da torta. Vindo do interior e de outros estados, o palmito é vendido em diversos locais demarcados pelas prefeituras para esse fim específico.

Informações: Folha Vitória